Arranhão

Comprar lingerie que ninguém para além de mim vai ver é uma espécie de acto de desespero porque as pessoas que não estão desesperadas estão mortas.

A mão que passeia longe do mundo e debaixo do virgem linho branco, o suor frio e as pontas dos dedos quentes. Afagar o algodão até sentir a fria tira de fios de seda; arranhar pele pressionada e presa como a presa que é perante o ambiente que conhece, perante a antítese do hostil, perante o predador que apresenta um canibalismo selectivo delicioso. Morder o lábio, morder-lhe o lábio para que não se esqueça de que aqui esteve, que aqui estive, neste sonho.

Afagar, ser violento a afagar a pele, respirar, inspirar a pele e rasgar a pele como um acto de penetração mais puro que o sexo, visceral, primário, um que sangra como os deuses não sangram, mortal, mortífero, intencionalmente e puramente mau, pecados à mostra, peito aberto que inspira a respiração ofegante de Dante, lança de Aquiles, espada de Marte, canção de rock ouvida num descapotável num deserto chuvoso, comboio de alta velocidade, luz branca na íris, vento glaciar, águas de Liverpool, tequila de Oaxaca, motor de combustão, meu, minha, provocar incêndios, mostra tudo e expõe e marca e faz e dói e grito e grita e fica: Um arranhão.
Um arranhão é sexo, pode ser sexo, quando propositado. Nunca fodi a roseira nem ela me fodeu a mim, esses arranhões não são sexo meus senhores, mas este aqui é. Este, que é o meu segredo hoje.

publicado por verbistantum às 21:12 | link do post