A vida são dois dias e eu estou a viver o segundo. O amanhã é certo, porque estou consigo.
Como se isto ainda não fosse a verdade porque a ela não foi preciso me habituar, mas como se sempre assim tivesse sido, como que durante muito tempo tivesse sido Inverno e o último Verão fosse agora uma memória distante sobre a qual sorrio e penso e me lembro do que é ser Verão e ter calor e ver o mar. Ah, ver o mar. Saudades disso. Como se tivesse tido o melhor Verão da minha vida há muitos Invernos atrás, como se tivesse sido Inverno durante muitos anos, os suficientes, para ter uma memória que já não dói tanto do que foram uns meses. Da espécie de meio ano em que não fui nem minha, mas toda dele. Ainda sou, acho que vou sempre ser um pouco. Talvez isso seja o que mais me irrita, não é não responder ou não tentar saber de mim (o que diz que é normal) mas saber que sou um bocadinho dele porque fomos lindos e isso não se esquece. Eu não esqueço. Não quero esquecer. Tenho medo que ele esqueça, tenho medo de me esquecer de pequenas coisas que já começam a ficar confusas.
Mas este Inverno é muito muito. Agora faço cinema e não literatura. Talvez faça um pouco de cada. Este Inverno não é austero, é suave, é carinhoso como os últimos raios de sol de um dia sem chuva nem vento. Inverno quente e frágil. Inverno que precisava de mim como eu não imaginava, sendo Verão.
Inverno meu. Com meias por cima do joelho e arranhões nas costas, Inverno meu.