Domingo, 27.10.13

Um Inconveniente

Um dia esqueci-me quem era, meti-me num comboio e fui -- não voltei e agora chamo-me Ester.
Tenho em mim uma enorme vontade de ir, de sair daqui, de deixar para trás tudo o que conheço e de me atirar para o abismo. Tendo medo de alturas e uma data de alergias, trocava o abismo pelos desertos da América do Sul, que seja, e era capaz de viver feliz uns meses. Talvez menos, sejamos realistas. Eu, dois vestidos, um sutiã (que preciso senão dou cabo das costas em três tempos, é a vida) e um caixote de livros. Era o que ia na mala. A tenda e o saco cama já lá estariam à espera, assim como a comida, vão tratando disso se faz favor, vá.
Li muito sobre o deserto e o que me assusta mais é ir e nunca mais querer de lá sair. Talvez se não fosse tão triste se agarrasse a mim a vontade de retorno, a saudade da civilização, o olhar distante sobre a vida ainda pouco vivida que é a minha.
Eu não choro, não quando estou sozinha, não quando estou com outras pessoas. Talvez lacrimeje uma ou duas vezes de saudade ou dor ou raiva mas chorar não. Chorei muito num dia de Agosto distante, horas em que ninguém viria para ver se estava bem. Chorei ao pé de uma Igreja que ostenta uma torre lindíssima e senti muito e foi muito. Desde aí, não voltei a chorar por mim. Faço o meu luto dentro de mim. A felicidade, esses vislumbres, ainda não me fez chorar. Borra a maquilhagem apenas, um inconveniente a felicidade.
A felicidade devia estar disponível na Amazon com portes de envio baixos se vier por barco e demorar quinze dias a chegar. Mas vem antes a biografia do Morrissey, que é quase a mesma coisa.
publicado por verbistantum às 23:47 | link do post | comentar

Lábios Gretados


Um dia li um livro com 1032 páginas durante três semanas.
Se me perguntarem porque acho erótico um livro lido com prazo, a minha resposta é simples: Porque é uma ordem que foi cumprida. Impor prazos a nós próprios acaba por ser falacioso a meu ver, o objectivo a atingir depende apenas de nós e a gratificação, embora lá esteja, não creio que seja comparável com a de ser 'boa aluna'. Mas agora explicar isto dá muito trabalho.
Hoje arrumei prateleiras de livros. Suspirei e reli algumas coisas, vi marcadores e manchas de água salgada e voltei a arrumar a areia dentro dos 'livros de Verão'. Que saudades do meu Verão, que medo deste Inverno. Tenho medo outra vez. A chuva é tão bonita que me assusta. Os vidros, cristais intemporais e imponentes na ausência de sexo neste quarto tão igual e eu tão diferente. Ler sobre a morte e a paixão, ler sobre os que vivem e sentem na alma a dor de acordar e já não estar dentro do sonho que uma vez foi a vida. Ter medo faz bem, dizem.
Enviei uma mensagem a alguém importante com quem já partilhei espaços, mas nunca palavras. Vi o contacto numa revista encontrada num banco a caminho de casa. O que escrevi não tem interesse, é raro ter, mas a resposta que recebi fez-me uma mulher muito feliz durante uns não-tão-breves momentos. A melhor parte foi, evidentemente, o elogio: Achou 'uma bela frase' no meio da parvoíce. E não se riu de mim, respondeu cordialmente, o que me fez feliz.
Talvez passe a escrever a estranhos. Talvez isso seja o meu futuro, talvez assim não esteja nunca sozinha. Tenho medo de estar sozinha, de continuar assim.
publicado por verbistantum às 23:13 | link do post | comentar

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