Viúva Virgem
O principal perigo por que passa Ulisses é o do esquecimento. A imortalidade que Calipso oferece anula a sua memória, quem ele é, apagando assim a sua identidade. Por esse motivo não aceita o convite da Deusa de se tornar imortal e viver a eternidade a seu lado. Ulisses quer ser imortal enquanto Ulisses e não enquanto alguém sem memória, sem vida, sem amor nem dor.
Na recusa de Ulisses não está presente uma carga de fidelidade imensa e impeditiva, mas algo mais profundo: Ulisses só é Ulisses quando vinculado a Penélope e Penélope só é Penélope quando vinculada a Ulisses. Essa consagração obriga-o existencialmente a recusar o convite de Calipso. Penélope representa assim o contra-ponto heróico ao heroísmo de Ulisses.
Sozinha no seu palácio (não de Belém, não como o meu) com o seu filho pequeno que cresce, uma vez que dez anos passaram desde os dez anos da Guerra de Tróia, mantém uma esperança e uma espera para além dos limites do racional -- Penélope espera. Toda a inteligência e astúcia concentra-se no modo como consegue prolongar a sua esperança; e o tempo. O modo como o faz, como pára e suspende o tempo, é incrível.
Ao fazer e desfazer a colcha (quando a acabar de tecer terá de escolher um dos pretendentes e casar de novo) vai desfazendo o próprio tempo até que Ulisses retorne a Ítaca. Colcha esta feita num tear em honra de Atena (protectora das virgens e, vá lá, dos trabalhos manuais) chamando assim a si própria a 'viúva virgem' pois enquanto sobre a protecção da Deusa estiver casar não será opção. Na verdade, que fia Penélope? Penélope tece um manto, uma veste, os fios da salvação, que servirá para a mortalha do pai de Ulisses. Ao terminar a colcha vê-se forçada a aceitar a morte de Ulisses, a morte do marido e a sua própria morte enquanto mulher de Ulisses, enquanto mulher que esperou, viúva. Morte dos dois.
Ao tecer invoca das grandes tecedeiras, as moiras, que recem o destino dos Homens e assim o que tece não é obra sua mas sim do destino, das grande morai. Os obreiros desse destino de amor foram os deuses, de reparar que as aproximações e afastamentos de Ulisses a Ítaca correspondem directamente ao fiar e desfiar da colcha de Penélope.
Sinto-me uma Penélope às vezes. Não sei porque o meu Ulisses não regressa, não sei se não aceitou o convite inaceitável de Calipso, mas escolho esperar.
Espero, esperei, esperarei de Penélope.
Na recusa de Ulisses não está presente uma carga de fidelidade imensa e impeditiva, mas algo mais profundo: Ulisses só é Ulisses quando vinculado a Penélope e Penélope só é Penélope quando vinculada a Ulisses. Essa consagração obriga-o existencialmente a recusar o convite de Calipso. Penélope representa assim o contra-ponto heróico ao heroísmo de Ulisses.
Sozinha no seu palácio (não de Belém, não como o meu) com o seu filho pequeno que cresce, uma vez que dez anos passaram desde os dez anos da Guerra de Tróia, mantém uma esperança e uma espera para além dos limites do racional -- Penélope espera. Toda a inteligência e astúcia concentra-se no modo como consegue prolongar a sua esperança; e o tempo. O modo como o faz, como pára e suspende o tempo, é incrível.
Ao fazer e desfazer a colcha (quando a acabar de tecer terá de escolher um dos pretendentes e casar de novo) vai desfazendo o próprio tempo até que Ulisses retorne a Ítaca. Colcha esta feita num tear em honra de Atena (protectora das virgens e, vá lá, dos trabalhos manuais) chamando assim a si própria a 'viúva virgem' pois enquanto sobre a protecção da Deusa estiver casar não será opção. Na verdade, que fia Penélope? Penélope tece um manto, uma veste, os fios da salvação, que servirá para a mortalha do pai de Ulisses. Ao terminar a colcha vê-se forçada a aceitar a morte de Ulisses, a morte do marido e a sua própria morte enquanto mulher de Ulisses, enquanto mulher que esperou, viúva. Morte dos dois.
Ao tecer invoca das grandes tecedeiras, as moiras, que recem o destino dos Homens e assim o que tece não é obra sua mas sim do destino, das grande morai. Os obreiros desse destino de amor foram os deuses, de reparar que as aproximações e afastamentos de Ulisses a Ítaca correspondem directamente ao fiar e desfiar da colcha de Penélope.
Sinto-me uma Penélope às vezes. Não sei porque o meu Ulisses não regressa, não sei se não aceitou o convite inaceitável de Calipso, mas escolho esperar.
Espero, esperei, esperarei de Penélope.