A Nódoa

A minha professora ostenta uma nódoa na camisa; Camisa esta que só posso presumir que tenha pertencido a algum mariachi numa outra vida. Talvez tenha uma professora que esconde uma herança mexicana, um tio, que lhe aguçou o gosto por camisas foleiras. Talvez tenha tido uma experiência traumática com camisas brancas em criança ou uma avó com Alzheimer que só se lembra que Anabela é sua neta quando vê as cornucópias e flores florescentes sobre o peito, que imagino que esteja lá, de Anabela. A nódoa incomoda-me mais que os hibiscos amarelos.
Esbranquiçada (talvez amarelada, estou longe, não consigo ver bem) a nódoa incomoda-me. Será a Anabela, a sra. prof. Anabela, uma aspirante a cozinheira que usa a sua hora de almoço para frequentar um curso intensivo de culinária oriental? É magrita ela, coitada, deve ser miserável como diria a minha avó. Talvez uma stripper num bar de alterne deprimente em Alfama. Talvez uma futura atleta que usa pó branco e algum tipo de gel para se manter nas posições pedidas pelo treinador durante algum tempo. Talvez uma costureira de improviso que deixa cair um pedaço de bolo no regaço enquanto cose a saia que rasgou de manhã num banco de jardim (nunca me aconteceu, atenção, vá, nada de especulações). Talvez uma mãe que já não tem camisas lavadas sem vómito de bébé. Talvez uma mulher rica que ganhou o Euromilhões mas que insiste em continuar a dar aulas e viver uma vida simples. Talvez lhe tenha sido oferecida por um amante e ainda cheirasse ao seu perfume. Talvez aquela camisa seja uma promessa feita a alguém moribundo. Talvez tenha mau gosto a escolher camisas.
Aquela nódoa é muito mais interessante que a camisa, discurso e pessoa ao qual está agarrada de um modo tão imponente que até mete inveja. Resumindo, passei duas horas a olhar para uma nódoa e foi maravilhoso.
publicado por verbistantum às 22:52 | link do post | comentar