Quarta-feira, 30.10.13

P(ele)

Quando estou melancólica, ou triste, escrevo aqui. Tem sido assim desde que \'regressei\' a este mundo. E hoje, que estou feliz?
Deixar o hábito - rasgá-lo até - é uma história que não quero partilhar. Desculpem, sou muito má pessoa. Quando estiver deprimida escreverei sobre o dia de hoje com saudade. Um vislumbre, uma inquietação.
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Segunda-feira, 28.10.13

Elis Regina


 

A primeira canção deste blog. Desfrutem
publicado por verbistantum às 22:05 | link do post | comentar
Domingo, 27.10.13

Um Inconveniente

Um dia esqueci-me quem era, meti-me num comboio e fui -- não voltei e agora chamo-me Ester.
Tenho em mim uma enorme vontade de ir, de sair daqui, de deixar para trás tudo o que conheço e de me atirar para o abismo. Tendo medo de alturas e uma data de alergias, trocava o abismo pelos desertos da América do Sul, que seja, e era capaz de viver feliz uns meses. Talvez menos, sejamos realistas. Eu, dois vestidos, um sutiã (que preciso senão dou cabo das costas em três tempos, é a vida) e um caixote de livros. Era o que ia na mala. A tenda e o saco cama já lá estariam à espera, assim como a comida, vão tratando disso se faz favor, vá.
Li muito sobre o deserto e o que me assusta mais é ir e nunca mais querer de lá sair. Talvez se não fosse tão triste se agarrasse a mim a vontade de retorno, a saudade da civilização, o olhar distante sobre a vida ainda pouco vivida que é a minha.
Eu não choro, não quando estou sozinha, não quando estou com outras pessoas. Talvez lacrimeje uma ou duas vezes de saudade ou dor ou raiva mas chorar não. Chorei muito num dia de Agosto distante, horas em que ninguém viria para ver se estava bem. Chorei ao pé de uma Igreja que ostenta uma torre lindíssima e senti muito e foi muito. Desde aí, não voltei a chorar por mim. Faço o meu luto dentro de mim. A felicidade, esses vislumbres, ainda não me fez chorar. Borra a maquilhagem apenas, um inconveniente a felicidade.
A felicidade devia estar disponível na Amazon com portes de envio baixos se vier por barco e demorar quinze dias a chegar. Mas vem antes a biografia do Morrissey, que é quase a mesma coisa.
publicado por verbistantum às 23:47 | link do post | comentar

Lábios Gretados


Um dia li um livro com 1032 páginas durante três semanas.
Se me perguntarem porque acho erótico um livro lido com prazo, a minha resposta é simples: Porque é uma ordem que foi cumprida. Impor prazos a nós próprios acaba por ser falacioso a meu ver, o objectivo a atingir depende apenas de nós e a gratificação, embora lá esteja, não creio que seja comparável com a de ser 'boa aluna'. Mas agora explicar isto dá muito trabalho.
Hoje arrumei prateleiras de livros. Suspirei e reli algumas coisas, vi marcadores e manchas de água salgada e voltei a arrumar a areia dentro dos 'livros de Verão'. Que saudades do meu Verão, que medo deste Inverno. Tenho medo outra vez. A chuva é tão bonita que me assusta. Os vidros, cristais intemporais e imponentes na ausência de sexo neste quarto tão igual e eu tão diferente. Ler sobre a morte e a paixão, ler sobre os que vivem e sentem na alma a dor de acordar e já não estar dentro do sonho que uma vez foi a vida. Ter medo faz bem, dizem.
Enviei uma mensagem a alguém importante com quem já partilhei espaços, mas nunca palavras. Vi o contacto numa revista encontrada num banco a caminho de casa. O que escrevi não tem interesse, é raro ter, mas a resposta que recebi fez-me uma mulher muito feliz durante uns não-tão-breves momentos. A melhor parte foi, evidentemente, o elogio: Achou 'uma bela frase' no meio da parvoíce. E não se riu de mim, respondeu cordialmente, o que me fez feliz.
Talvez passe a escrever a estranhos. Talvez isso seja o meu futuro, talvez assim não esteja nunca sozinha. Tenho medo de estar sozinha, de continuar assim.
publicado por verbistantum às 23:13 | link do post | comentar
Sábado, 26.10.13

Viúva Virgem

O principal perigo por que passa Ulisses é o do esquecimento. A imortalidade que Calipso oferece anula a sua memória, quem ele é, apagando assim a sua identidade. Por esse motivo não aceita o convite da Deusa de se tornar imortal e viver a eternidade a seu lado. Ulisses quer ser imortal enquanto Ulisses e não enquanto alguém sem memória, sem vida, sem amor nem dor.
Na recusa de Ulisses não está presente uma carga de fidelidade imensa e impeditiva, mas algo mais profundo: Ulisses só é Ulisses quando vinculado a Penélope e Penélope só é Penélope quando vinculada a Ulisses. Essa consagração obriga-o existencialmente a recusar o convite de Calipso. Penélope representa assim o contra-ponto heróico ao heroísmo de Ulisses.
Sozinha no seu palácio (não de Belém, não como o meu) com o seu filho pequeno que cresce, uma vez que dez anos passaram desde os dez anos da Guerra de Tróia, mantém uma esperança e uma espera para além dos limites do racional -- Penélope espera. Toda a inteligência e astúcia concentra-se no modo como consegue prolongar a sua esperança; e o tempo. O modo como o faz, como pára e suspende o tempo, é incrível.
Ao fazer e desfazer a colcha (quando a acabar de tecer terá de escolher um dos pretendentes e casar de novo) vai desfazendo o próprio tempo até que Ulisses retorne a Ítaca. Colcha esta feita num tear em honra de Atena (protectora das virgens e, vá lá, dos trabalhos manuais) chamando assim a si própria a 'viúva virgem' pois enquanto sobre a protecção da Deusa estiver casar não será opção. Na verdade, que fia Penélope? Penélope tece um manto, uma veste, os fios da salvação, que servirá para a mortalha do pai de Ulisses. Ao terminar a colcha vê-se forçada a aceitar a morte de Ulisses, a morte do marido e a sua própria morte enquanto mulher de Ulisses, enquanto mulher que esperou, viúva. Morte dos dois.
Ao tecer invoca das grandes tecedeiras, as moiras, que recem o destino dos Homens e assim o que tece não é obra sua mas sim do destino, das grande morai. Os obreiros desse destino de amor foram os deuses, de reparar que as aproximações e afastamentos de Ulisses a Ítaca correspondem directamente ao fiar e desfiar da colcha de Penélope.

Sinto-me uma Penélope às vezes. Não sei porque o meu Ulisses não regressa, não sei se não aceitou o convite inaceitável de Calipso, mas escolho esperar.

Espero, esperei, esperarei de Penélope.
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Segunda-feira, 14.10.13

A Nódoa

A minha professora ostenta uma nódoa na camisa; Camisa esta que só posso presumir que tenha pertencido a algum mariachi numa outra vida. Talvez tenha uma professora que esconde uma herança mexicana, um tio, que lhe aguçou o gosto por camisas foleiras. Talvez tenha tido uma experiência traumática com camisas brancas em criança ou uma avó com Alzheimer que só se lembra que Anabela é sua neta quando vê as cornucópias e flores florescentes sobre o peito, que imagino que esteja lá, de Anabela. A nódoa incomoda-me mais que os hibiscos amarelos.
Esbranquiçada (talvez amarelada, estou longe, não consigo ver bem) a nódoa incomoda-me. Será a Anabela, a sra. prof. Anabela, uma aspirante a cozinheira que usa a sua hora de almoço para frequentar um curso intensivo de culinária oriental? É magrita ela, coitada, deve ser miserável como diria a minha avó. Talvez uma stripper num bar de alterne deprimente em Alfama. Talvez uma futura atleta que usa pó branco e algum tipo de gel para se manter nas posições pedidas pelo treinador durante algum tempo. Talvez uma costureira de improviso que deixa cair um pedaço de bolo no regaço enquanto cose a saia que rasgou de manhã num banco de jardim (nunca me aconteceu, atenção, vá, nada de especulações). Talvez uma mãe que já não tem camisas lavadas sem vómito de bébé. Talvez uma mulher rica que ganhou o Euromilhões mas que insiste em continuar a dar aulas e viver uma vida simples. Talvez lhe tenha sido oferecida por um amante e ainda cheirasse ao seu perfume. Talvez aquela camisa seja uma promessa feita a alguém moribundo. Talvez tenha mau gosto a escolher camisas.
Aquela nódoa é muito mais interessante que a camisa, discurso e pessoa ao qual está agarrada de um modo tão imponente que até mete inveja. Resumindo, passei duas horas a olhar para uma nódoa e foi maravilhoso.
publicado por verbistantum às 22:52 | link do post | comentar
Domingo, 13.10.13

Ser puta

Sou uma puta que não fode corpos.

Os cheiros nunca me incomodaram tanto como os sons, coisa estranha esta de estar sempre incomodada com algo. Mas o tabaco nos dedos, nos lábios, impregnado no cabelo lavado e molhado começou a deixar-se notar. A cinza que cai no chão e se parte em bocadinhos de alma minha que não vou recuperar. Cai outra vez, perco os mesmos bocadinhos de novo. Outra e outra vez. Sou a cinza, o que já foi, o que passou ou o que aconteceu depois de ter passado. Será que sou apenas isso? A folha queimada, o fumo que desvanece.
Não fodo corpos porque consigo, porque não quero, porque já estou preenchida pela memória sempre presente de um fantasma que acorda, almoça, janta e adormece comigo. Durante o resto do dia está presente em intervalos de minutos, horas, segundos. Merda, já estou quase a citar Pessoa. Que erudita. Uma puta  que lê. Isso dava um livro engraçado, eu lia-o.
A melhor das putas é a que não se despe, a que não fode, a que não precisa de estar lá. Eu sou a melhor das putas porque fodo almas.
Nem a mim me fodo bem -- que triste. Talvez tenha lido livros a mais (o que duvido seriamente mas fica bem reforçar que sou bem lida até porque uma puta que lê é mais estimulante quando é virtual) ou tenha visto um ou dois filmes demasiado maus: Mas isso não tem nada a ver. Gosto da palavra foder. Gosto. F-o-d-e-r, foder. Gosto da palavra desde que a li e reli num livro que comprei há uns meses. O autor também gosta, então é porque deve ser uma boa palavra. Enfim, puta ou pseudo-puta gosto de palavras e de me sentir fodida por elas. Também as uso, mas isso conto depois.

publicado por verbistantum às 12:36 | link do post | comentar | ver comentários (1)

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