Tapete

Era beje. Era mais escuro que a pele dela, mais claro que a dele. O vestido encarnado, o fio prateado, os sapatos pretos. O casaco azul, a camisa branca, os sapatos castanhos.
Os pés encontraram ali um momento de descanso, naquele tapete beje que assentava num chão que não estava lá. A mão dele procurou a dela, sem deixar de olhar aqueles olhos que não reflectiam luz, apenas a captavam. Encontrou-a. Dedos entrelaçados levados aos lábios, trazidos ao peito e balançados ao ritmo da música que ela cantava. Pés descalços que se passeavam, roupas que contrastavam com o beje que as engolia mal eram deixadas cair com toda a delicadeza.
Música de ternura e afecto cantada a cada pequeno passo, a cada fechar de olhos e a cada humedecer de lábios. Uma inocência despida. Um balançar mágico que querem que dure para sempre. O registar de silêncios, o afastar das terríveis vidas humanas, o dançar sem música na noite que nunca terá fim.
Os azuis e os encarnados, a harmonia e a paixão, os dois juntos aos pés de quem já não ouvia música, de quem já não tinha forma corpórea, de quem não respirava mas era respirado.
Não estava lá. Nem ela nem ele. O tapete beje estava vazio de corpos. O tapete beje tinha sido desenhado para desaparecer quando os azuis e os encarnados desaparecessem um no outro, quando ele e ela não se distinguem e quando nunca mais se poderão distinguir.
O tapete beje onde dançaram descalços pela noite que não tem fim: não acorde, venha, vamos dançar descalços até à madrugada que não virá.
publicado por verbistantum às 01:22 | link do post | comentar