Rocha

Apareceu quando ele dormia, deitado ao sol sonhando com o que podia ter sido. Com o corpo fez sombra sobre o dele, tentando acordá-lo. Não conseguiu, ele estava no meio de um sono muito profundo, o que era raro e sempre muito apreciado, entregue ao subconsciente. Talvez algo o acordasse na próxima hora, ela não tinha coragem de o fazer.
Despiu o vestido, descalçou-se e mergulhou. Nadou, nadou por baixo de água passando os dedos pela areia que ninguém toca e só parou quando chegou ao pé da sua rocha. Aquela mais afastada das outras, aquela a que poucos se atrevem a ir, aquela que está sempre fora de pé. Agarrou-se a ela, impulsionou o corpo para sair da água e deitou-se na rocha aquecida. Com o cabelo a balançar com as pequenas ondas da maré e os pés a ficarem pendurados por cima da rocha em que se equilibravam as pernas, cantou.
Falou com ele, sobre ele, sobre si, sobre o que ele queria saber. Respondeu a tudo e voltou para o areal. Aí escorreu o cabelo e deixou o sol secá-la um bocadinho. Vestiu o vestido, escreveu com conchas, búzios e caminhos na areia o que ele não tinha perguntado mas ela queria responder. Beijou-lhe duas vezes o rosto, acariciou-o e voltou para de onde veio. Ele acordou e ainda a viu, a fugir, a adormecer num outro sonho. Apressou-se a ir ter com ela, correu pela areia molhada tentando encontrá-la e viver o que tinha sonhado. Mas ela era ilusão e não sei se era boa ou não ou mais, sei que já não conseguia viver sem a ilusão dela. Via-a na rua, na música, na coisa mais pequena. Quando ouvia o seu nome acordava para os sonhos que nunca sonhou, entrava naquele seu mundo cor de rosa onde cada momento era completado com a banda sonora que mais se adequava e cada pausa preenchida com a sua voz. E quando acordava, quando via que ela não estava ali com ele, ouvia as músicas que o lembravam dela, pensava nas palavras que lhe tinham sido segredadas, lia o que tinha escrito para ele ler. Sim, agora sabia que ele a lia. Não estava à espera que tal acontecesse, não estava à espera que fosse ele a tentar vir buscar (in)felizes bocadinhos dela. Mas vem, e percebe(-me). Ela ficou feliz,muito feliz. Continua aqui, espero que saiba.
Espero que esteja bem, espero que sonhe muito e que ela lhe tenha deixado pensamentos de quem é, hoje. Ela vai a caminho, está perto, muito perto, sempre que precisar.
publicado por verbistantum às 01:02 | link do post | comentar