Cadeira
Havia uma cadeira.
No quarto que nunca era o mesmo havia uma cadeira de madeira. Ao lado da única e alta janela que deixava entrar a luz de fim de tarde que passava pelas cortinas brancas, e sobre uma carpete azul acinzentada, estava a cadeira onde ele se iria sentar. Era mais um dos muitos desafios que gostavam de fazer um ao outro.
Sentou-se, já sem a camisa e o casaco de que ela tanto gostava (nunca lho tinha dito, mas adorava quando ele usava aquele cinzento com a camisa branca com os dois primeiros botões desapertados), despido de roupa, o seu corpo esperava por ela.
A sedução não era o que queria agora, estavam para além disso, já estava mais que convencido que pertencia ali, que pertencia a ela. Juntou as pernas, mas não os joelhos de modo a que ela ficásse confortável, manteve os pés no chão e levou a mão direita às costas dela, puxando-a para si. Para a ter ao colo como queria, peito com peito barriga com barriga, com a mão esquerda sentou-a em si e manteve a mão numa das curvas dela que adorava. Ela pousou a mão esquerda no braço frio da cadeira, equilibrando-se, a outra estava a brincar nos lábios húmidos dele, cheios dela. Os joelhos saíam da cadeira, mas conseguiu manter-se como ele a queria prendendo os pés entre o fim do assento e o início das pernas de madeira de carvalho escura. Ele estava dentro dela, do corpo e da alma, tão próximos que dançavam em uníssono, acompanhavam os movimentos um do outro, gemiam ao som da madeira que não chiava, encontravam-se no local estranho que era o único que conheciam.
Havia uma cadeira. Já não há - mas não é por ter deixado de lá estar. Estará onde sempre esteve e onde muitos outros a deixaram. Já não há não porque o quarto nunca era o mesmo, mas porque tinha sido só aquele, o que nunca foi.
(Por aquele quarto muitas outras almas passaram. Uma e outra. Nunca mais aquela cadeira viu uma almas como a que ali esteve.)