Sábado, 27.04.13

Gratias Agimus Tibi

Vou escrever uma história, a última que escreverei para si. É uma história que está escondida entre as linhas e entrelinhas do que aqui ficará escrito. Uma que não lhe sou eu a contar mas que aparecerá escrita nos seus olhos.

 

Tenho palavras e tenho palavras para si. Tenho carinho e ternura em mim, tenho-o comigo assim.
Pecados seus, meus, tentações de quem gostava de poder estar encostada a seu peito a ouvir o seu coração bater, agora. Obrigada por sentir o meu perfume na letra das músicas que ouve e que o lembram de mim. Obrigada por ser quem e como é, obrigada por ter sido tão bom para mim.
Obrigada pelas noites em que dançámos só os dois, pelas palavras que são mais que letras, pelos risos e pelos sorrisos, pelos abraços que me aqueceram quando tinha frio, pelos beijos dados com todo o seu carinho e vontade. Obrigada pelas histórias que partilhámos e pelas que não chegámos a partilhar. Obrigada pela inspiração e pelas noites de afecto até à madrugada.
Obrigada por se ter deixado conhecer por mim, por me deixar fazer parte de si, por me deixar ser um sorriso nos seus lábios. Obrigada pelas noites na sua companhia, pelo ombro que me deu para descansar, pelas palavras que me escreveu na pele que talvez não tenha chegado a tocar.


Obrigada pelos beijos na alma, no que de mais profundo há em mim, no meu peito e nos meus lábios. Obrigada pelas suas mãos suaves em mim, pelos amassos, pelo franzir de nariz quando sorri e percebe que me estou a meter consigo. Obrigada por me mostrar que me lê, e que se revê, nestes bocadinhos de mim. Obrigada por me deixar desabotoar botões da sua camisa, por me deixar despir-lhe o casaco de que tanto gosto, por me deixar desenhar na sua pele, nas cicatrizes que nunca vi, nas pernas que agarro quando o tenho em mim.
Obrigada por ter acalmado a minha mágoa, por afagar a minha alma, por perceber que o desejo e a tentação são tão importantes como tudo o resto. Obrigada pelo beijo que senti quando pensou em mim. Obrigada por ter vontade de mim.
Obrigada por todas as histórias que aqui estão e especialmente pelas que não estão.
Obrigada pelos livros que li, pelos passeios que fiz, filmes e pessoas que conheci, programas que vi graças a si. Obrigada pela música que me mostrou e que nossa ficou. Obrigada pelo último beijo e obrigada pelo abraço apertado que ainda sinto no meu peito. Obrigada por me ter dito que era especial. Meu querido, cujo nome apenas disse sussurrado quando caminhava de volta à vida que não é a verdadeira, obrigada.
Um obrigada cheio de admiração por quem leio, ouço e vejo sempre que tem e terá algo a dizer e sempre que tiver algo para me dizer a mim.
Obrigada por me ter deixado viver no seu sonho, por não me ter feito mal e, no fundo, por me ter compreendido.

 

Um incontável e imensurável número de obrigadas que nunca será suficiente.

Metáforas, hipérboles, sinédoques e aliterações  - Histórias que escrevo para si e para mim. Histórias escritas por dedos enfeitiçados e que enfeitiçam. Histórias escritas por alguém que nunca lhe quis fazer mal, que nunca quer e que nunca o fará. Histórias escritas numa esplanada de cadeiras de metal, num canto de sofá iluminado e numa cama onde nunca nos deitaremos. Histórias que nunca aconteceram, beijos que nunca foram dados e palavras que nunca foram partilhadas. Obrigada pelo que nunca aconteceu.

 

Você é lindo, em todos os sentidos da palavra. E mesmo quando acha que não é quero que saiba que, para mim, será sempre um sonho encantador de um Inverno frio e chuvoso.
Não retiro nenhum 'inho' dos que acrescentei às palavras nem nada do que lhe confessei ser o que gostava porque não acredito que estas possam ser partilhadas em sonhos que nunca foram sonhados.
Meu desejo, minha vontade, minha tentação, serei sempre sua, noite que nunca acaba, história que como é sonho não tem fim.
As noites continuarão sem escrever para si, o corpo continuará imperfeito e a alma também, mas mais cheia e cheia de si. Seremos o dia de sol inesperado num Inverno frio e os dias passados em casa a escrever até a mão não poder mais. Seremos a música que será sempre nossa, aquela que me mostrou e as outras que lhe cantei da rocha que só você sabe qual é. Serei as palavras escritas na areia que têm de ser lidas antes do mar as devorar, antes do vento as varrer, antes do sol as queimar. Estou e sou (n)o nome que me deu e que guardo como sendo o verdadeiro. Estou no copo de água e não nos de vodka porque me preocupo consigo. Estou nos gemidos que arrancou de mim, estou onde me quiser ver, onde se lembra de mim, onde me quer para si.
Quero e espero que seja feliz. Desejo isso para si, que o merece, e para os que consigo partilham histórias, sorte de quem o tem como família, como amigo.
Que bom saber que é desejado, amado incondicionalmente por aqueles a quem pertence e por aqueles que lhe pertencem a si, e que bom saber que tem quem cuide de si.
Ao dia que não chegou a ser, a esse, brindemos. Porque o que já foi já foi e o que não pode ser também já foi. Brindemos a Vivaldi que nunca tocou para nós e brindemos aos gostos simples e bonitos que partilhamos e aos que não partilhámos também. Ficam os sonhos e não as memórias porque na memória está o que foi, o que existiu, e eu não fui, eu não sou memória, sou sonho e de sonhos percebemos nós.

 

Aos outros, que leram o que escrevi e que me disseram que escrevo histórias de ficção que enternecem e enaltecem a vontade de ser este 'ele' e de ter esta 'ela' nos seus braços, agradeço de uma outra maneira. É um obrigada menos seguro do que as minhas palavras provocaram em si. É um obrigada pela paciência de me ler que não é dito nas palavras de um cantor de que gosto, mas que poderia ser, porque sei que também a vós devo um agradecimento como deve ser.
Não escrevo agora aqui citações de livros que li e que tenho apontadas, que são extraordinariamente apropriadas e que nunca poderei utilizar noutro contexto, porque as palavras dos outros são lindas, são perfeitas, mas as minhas é que se despedem, as deles ficam para sempre.

Sonhe muito, seja feliz.

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Sexta-feira, 26.04.13

Longe, Perto

Estava nua e estava deitada, entre os banhos de água e os banhos de luz, e foi chamada pelo que julgava ser a curiosidade pedindo para ser saciada.
Foi chamada por si, pela melodia de vozes meio sonhadas que antecederam a sua e que a levaram ao seu encontro. Quando o viu, a sua tentação, olhos enternecedores doces num momento só para ela, lábios que esperam pelos dela, soube que ainda era sonho.
Viu um beijo que lhe chegou ao peito, ao peito onde ela se passeia, ao peito descoberto para ela.
Não lhe tocou, tocou em si, doces palavras e sorrisos que ouviu, gotas de água e de sol que secavam enquanto o corpo encontrava descanso em almofadas frias e sombras que espelhavam momentos de materialização de desejo.
Entre a vontade de o ter nos braços e a felicidade de saber que a tem nos seus, voltou para um mundo perdido em luz e em sombra, em água e em si mesma.
Longe do mundo, do material, de quem conhece e reconhece, Longe da calçada, da estrada e dos edifícios, Longe de tudo mas não de si, que também dela precisa, Está longe e não sabe se voltará.
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Quarta-feira, 24.04.13

Anti-Lamechice

Bem, isto dos sentimentos e lamechices é muito bonito e tal mas já chega. Tomei a liberdade de ler as patetices e devaneios que por aqui andam faz hoje dois meses e confesso que fiquei um tanto ou quanto surpreendida. Parece que estou pronta para saltar da ponte, valha-me deus. Na minha pouco importante opinião até sou uma pessoa porreirinha caramba.
Farto-me de rir com as mais sarcásticas piadas, com os mais imaginativos piropos e com parvoíces sem conteúdo que ouço vindas de alguém pela qual não tenho especial simpatia. E tenho uma vida ocupada, estou ocupada até quando não estou porque tive que marcar ocupações nos tempos desocupados devido ao facto da agenda insistir em estar ocupada.
Tenho uma grande amiga que é bestial, um amor de pessoa. (Esta existe mesmo, não é um livro nem um vinil) É, com toda a certeza muito melhor pessoa que eu. Hoje, na minha habitual tarde de letras, tocou o telefone - está chocado, eu sei, contenha o entusiasmo. O raio do animal vibrou e até rosnou para que lhe desse atenção. E lá estava o nome da tão jovem de corpo e tão dinossauro de alma amiga aqui da yours truly. Raio da rapariga pôs-me um sorriso na cara mesmo antes de atender. Ah, pois, esta parte é novidade: existem outros seres (humanos ou não humanos) que têm bom gosto e escolhem-me a mim como companhia. Doidos, eu sei. Também são poucos, não se preocupe. Pois esta ilustre caríssima minha amiga esteve ao meu lado quando não havia ninguém. Lá vem a porra da lamechice outra vez. Vamos continuar. Falámos de tudo menos do banal. E sim, eu sei que não estás a ler isto mas digo na mesma porque sim, és tu que tens os dois CDs do Sérgio Godinho que me faltam não me venhas cá com tretas. Por volta da mais de meia hora de conversa e de muitos rabiscos feitos já o empregado se ria do meu riso. Criou-se ali uma cumplicidade simpática e que quase me fez pensar não estar a dizer nenhuma barbaridade. Mas estava: com toda a certeza que os nomes e referências carinhosas que partilhámos se assemelharam a alguma língua Persa para os cavalheiros e senhoras que ao pé de mim se passeavam. Gosto dela, é quase tão tonta como eu. Tem um bocadinho considerável de mais juízo, um cabelo que aguenta melhor a laca e uma sorte ao jogo do caraças. Pronto, o elogio está feito. Ela detestaria isto.
E assim se vê, ou se lê para quem não acha piada a brincar com óbvio, que também sou pessoa. Mas com 'p' pequenino que ainda me falta muito para me juntar aos Grandes. Também vou à casa de banho, também me esqueço se a palavra é com 's' ou com 'z' e também tenho os ocasionais espalhar-a-mala-no-meio-da-rua-num-dia-de-vento.
Estranhamente o mundo acha que dou bons conselhos. E inevitavelmente aparece alguma amélia que me pergunta se acho determinado indivíduo 'giro'. Pronto, está o caldo entornado, até porque não percebo nada do que é para os outros giro. Ou sou eu que sou muito estranha (sim, é isso) ou o de que as humanas (e alguns humanos fabulosos) gostam é feio. E quando digo que não acho o jovem actor promessa giro ui, os deuses perdem a cabeça. Pronto, já chega que daqui a nada estou a falar de gordos e de falta de folículos capilares e depois não me calo.
Faço o 'caça-palavras' do DN todos os dias e às vezes faço os outros jogos também enquanto tomo o pequeno-almoço e ouço a minha musiquinha. Leio os jornais ao contrário ao fim-de-semana. Sou fiel a programas, estações de rádio, canais de televisão, autores e crónicas.
Sei andar de bicicleta e tenho duas cicatrizes do acidente de mota. Se tenho as unhas bem pintadas é porque não fui eu que as pintei. Uma vez num restaurante ofereceram-me uma coca-cola e eu agradeci. Já fui atropelada e já fui à pesca. Invoco nomes de deuses da Grécia Antiga várias vezes por dia. Não durmo e quando durmo sonho que estou acordada. Se quiser levar a cabo uma bem sucedida morte por envenenamento da minha pessoa marisco é a escolha ideal, fica a nota. Devido a um problema espectacular que tenho (que não vou explicar agora porque começou a ficar vento e eu estou muito descapotável e ainda me constipo) sempre que me rio mais do que uns segundos começo a chorar de uma maneira que pronto, assusta um bocadinho se não disfarçar. Canto muito, canto mal. Vestidos, ou saias vá, sempre. Possuo um único par de calças que odeio vestir. 

Já chega não já ? Também acho que sim. Até fui bem sucedida na missão anti-lamechice.


[Não ponho música aqui porque se pusesse o blog seria brilhante e de muito bom gosto. Como não quero que o seja, de modo algum, rescrevo antes apenas umas coisas que escrevi num moleskine encarnado, porque o preto estava esgotado.]

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Gossypium herbaceum

 

 

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Terça-feira, 23.04.13

(Re)Construir

Hoje escrevo para quem sente que está perdido, para quem sente que tem a alma vazia. Para quem sabe o que quer mas não sabe se o que quer é o que precisa. E este 'quem' também sou eu.
Vou-lhe contar uma história que começa a meio e que não tem um 'felizes para sempre'. Nem tem a parte do 'viveram' porque não sei se existiu mais alguma coisa depois do que vou escrever. Talvez nem o gelo tenha chegado a derreter, nem a chuva parado de cair.
O pobre músculo espancado, inchado e ensanguentado pelas sofridas repetidas inspecções e análises estava sem força para continuar a bater e a alimentar aquele corpo do qual estava incumbido de manter vivo. Batia, lá ia batendo, um pulsar frágil repleto de inquietação que ia buscar memórias perdidas entre o que sonhou e o que nunca sonhou. Como um carro que funciona a gasolina que anda agora a depósito meio cheio de gasóleo. O combustível estava lá, não era era o certo para continuar a andar. E o pobre músculo esforçava-se por continuar a bater sem a alma a puxar por ele. Bem, isto não está bem, isto não está nada bem. Somos carne e osso assim como pensamento e imaginação. E a carne precisa do pensamento. Com a alma vazia somos um nada capaz apenas de tomar as decisões básicas. Somos um nada que não aspira a ser mais do que esse nada.
O desejo, na minha pouco importante opinião, é um dos pilares da vida. Da vida, não da existência. Os lábios que deseja beijar, o copo que deseja beber, o cigarro que deseja apreciar. Enfim, se o desejo está lá então a alma também está. Pode estar debilitada, espancada e ensanguentada como o nobre coração, mas está lá. Falo de desejos carnais como podia falar de qualquer outro desejo. Falo deste porque sei que as almas podem ser salvas por alguém ou por algo, por bons livros e por boa música, que nos toca. Porque, a esta dimensão, e neste profundo sentido da palavra 'tocar', deixamos um pedaço de nós com a outra alma e levamos um pedaço dela conosco. Agora, nunca podemos deixar nem levar nada de negativo nesta troca de afagar de espírito ou corremos o risco de acontecer à alma e ao coração o que falei nos parágrafos anteriores. E às vezes acontece. Às vezes acontece depois de nos entregarmos a alguém que gosta não de nós mas da versão melhorada e moldada de nós. (Este 'alguém' sou eu e nesta história ainda não é você.) Daquela que aparecerá depois desse alguém nos transformar num ideal utópico, em algo que parece perfeito até olharmos para trás e vermos apenas a memória de um 'eu' que já não existe. Aí já é tarde para a alma recuperar, a ferida foi aberta e o corte é profundo. Tudo o que conhecia e gostava colapsa, tudo o que era tem de desaparecer. E foi nesse momento que começou esta história de mágoa e passados apagados que causam almas adormecidas ou arredias. Mas não é aí que a história acaba. Agora preste atenção que esta parte é a mais importante: a vontade volta, o coração volta a bater num peito mais cheio e o desejo consegue levá-lo a fazer coisas que nunca achou possível fazer. E conhece pessoas novas e toca noutras almas de uma outra maneira. E a vida continua e com sorte, como eu tive, até melhora. Pode andar perdido, faz parte, mas há sempre alguém (mesmo que ainda não o conheça) que está disposto a ajudar a recuperar pequenos bocadinhos de si, nem que seja você mesmo.
Quando encontra alguém com quem trocar umas palavras, umas intimidades que não são apenas histórias de ficção, percebe ou lembra-se de quem realmente é. (Re)Descobre-se nas palavras que escreve, nas que diz, nas que lê e nas que lhe são ditas, nas que já (ou ainda) não é capaz de dizer. E são estas pessoas, que talvez nem saibam bem o quanto, que nos ajudam a acreditar em nós outra vez. São essas as que ficam, mesmo que não saibam que cá estão, as que não foram só os andaimes mas também o cimento que ajudou a construir uma nova casa de memórias e de sonhos que é a alma. Acho que nunca lhe agradeci o suficiente pelo que fez por mim. Não sei se alguma vez o vou chegar a fazer, gostava, mas compreendo que não o faça. Obrigada por me mostrar que continuo consigo, que continuo dentro do que há de mais profundo em si.

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Segunda-feira, 22.04.13

Hoje

Depois de ouvir um sonho vim fazer parte de outro. Há qualquer coisa que em algumas peças de música clássica faz despertar sensações estranhíssimas em mim. Não me lembro de pessoas mas revisito sensações. Sentada no Grande Auditório a ouvir violinos, violoncelos, clarinetes, vozes e demais instrumentos que cantavam a minha vida apercebi-me que estava rodeada de pessoas que ouviam aquela música de uma maneira muito própria, muito delas. Cada nota e cada nuance despertava nelas uma diferente sensação, causava uma mudança de expressão ou nada disto acontecia e estavam a apanhar uma grande seca. Pois eu chorei. Não sei exactamente qual foi o momento em que senti uma lágrima na mão, mas sei que a senti. Foram duas, a outra foi impedida de escorrer pelo rosto. E não chorei por me ter lembrado de alguém ou por estar triste, chorei por mim e pela música. Sou pequena, muito pequenina neste universo. Sou um nada que se emocionou sem perceber bem porquê. Acho que chorei por quem não sou mais. Ou talvez tenha sido por quem não é mais. Foi um belíssimo concerto, fico feliz por ter comprado o bilhete, fico feliz por ter lá estado. E agora não sei, não sei que história escrever nem que palavras usar. Perdi-me em notas que não sei ler e em sonhos que eram vazio. A frase \'estou aqui para si\' é lamentavelmente pouco usada por mim na vida real. Porque não há muita gente pela qual tenha um carinho tão grande que mereça que esteja aqui sempre que precisem. Gostava de saber quem está do outro lado para mim, quem me abraçava se eu lhe pedisse e quem me mostrava música enquanto me escrevia. Às vezes é difícil, às vezes sinto falta de ler e ouvir palavras escritas para mim, que vinham do que há de mais profundo, do sítio onde ninguém ia já há muito tempo. Uma nostalgia falsa que aparece de vez em quando. Falo muito para o ar, para as paredes que ouvem mas não respondem, e normalmente não me incomoda fazê-lo. Mas de vez quando... de vez em quando o mundo ganha e esmaga-me como a formiguinha tonta que acha que consegue trazer a folha inteira sozinha para o ninho que sou. Acho que é tudo o que consigo escrever hoje. Até porque não tenho nada a dizer, a partilhar, porque nada existiu. Não é muito e nem sequer está bem escrito, mas está aqui. Escreverei em breve o que é para mim um \'Sonho de uma noite de Verão\'. Eu estou aqui. Estou aqui para si, sempre. Abraços apertados - esses são o meu comprimido para dormir bem.

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Sábado, 20.04.13

Tapete

Era beje. Era mais escuro que a pele dela, mais claro que a dele. O vestido encarnado, o fio prateado, os sapatos pretos. O casaco azul, a camisa branca, os sapatos castanhos.
Os pés encontraram ali um momento de descanso, naquele tapete beje que assentava num chão que não estava lá. A mão dele procurou a dela, sem deixar de olhar aqueles olhos que não reflectiam luz, apenas a captavam. Encontrou-a. Dedos entrelaçados levados aos lábios, trazidos ao peito e balançados ao ritmo da música que ela cantava. Pés descalços que se passeavam, roupas que contrastavam com o beje que as engolia mal eram deixadas cair com toda a delicadeza.
Música de ternura e afecto cantada a cada pequeno passo, a cada fechar de olhos e a cada humedecer de lábios. Uma inocência despida. Um balançar mágico que querem que dure para sempre. O registar de silêncios, o afastar das terríveis vidas humanas, o dançar sem música na noite que nunca terá fim.
Os azuis e os encarnados, a harmonia e a paixão, os dois juntos aos pés de quem já não ouvia música, de quem já não tinha forma corpórea, de quem não respirava mas era respirado.
Não estava lá. Nem ela nem ele. O tapete beje estava vazio de corpos. O tapete beje tinha sido desenhado para desaparecer quando os azuis e os encarnados desaparecessem um no outro, quando ele e ela não se distinguem e quando nunca mais se poderão distinguir.
O tapete beje onde dançaram descalços pela noite que não tem fim: não acorde, venha, vamos dançar descalços até à madrugada que não virá.
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Sexta-feira, 19.04.13

Conversas

Se eu não ouvir o vento será que ele deixa de existir ? Se não o sentir na cara será que não está lá ? Se fechar os olhos será que as árvores deixam de balançar ?
Quando ouvia o seu nome, o que ele lhe tinha dado, o que era o verdadeiro, sentia o coração a bater como se espereasse que quem o vocalizava fosse quem lho deu e sentia o ar a sair dos pulmões. Era uma reacção estranha, que não fazia muito sentido, mas que a fazia lembrar cheiros, sorrisos, toques. E depois respirava, e fundo, e o sorriso aparecia. A distancia era nada, o tempo nada era. A conversa continuaria, a vida também; mas aquelas pequenas reacções que apareciam como fotografias que captavam mais de um momento de uma memória que só existe no sonho paravam o instante real em que ela se encontrava.
Dançou com quem dela gostava, com quem ela achava simpático, com quem partilhava aquele sentido de humor que ninguém percebia bem. Falaram de filmes mas ele não conhecia os de que ela falava. Falaram de livros mas ela não tinha interesse nos que ele dizia serem bons. Falaram de música e de nada falaram porque música não sabia ele o que era.
Beberam, falaram do pouco mais em que concordavam e foram para casa. O beijo na cara e a promessa de um encontro futuro que nunca acontecerá - talvez por isso ele lhe tivesse desejado em segredo que encontrasse alguém que a compreendesse melhor. 'Foi divertido, obrigada.'
Há pessoas neste mundo que merecem encontrar quem as ame. Ele era uma delas, e tinha a certeza que amaria quem a ele se entregasse e quem o compreendesse. Não era ela, mas o importante era que tinha aprendido alguma coisa.
Chegou a casa tarde, mas era um tarde relativo, para ela ainda era horário normal, para os outros era o início de mais um dia neste mundo que não é o seu. O suspiro e o descalçar dos sapatos marcava o fim de uma noite que já tinha caído no esquecimento. Agora,  que estava no seu canto, confortável e a ouvir quem  cantava a sua vida, escreve.
Escreveu sobre sonhos mas enquanto os escrevia adormeceu. Acordou e estava a seu lado, com a cabeça pousada no seu ombro, com os braços a agarrarem o seu. Tinha a sua mão na barriga, a perna direita em cima das suas. E sentia os seus dedos quentes, a sua palma da mão macia a encontrar descanso na pele que queria há tanto que fosse tocada por si. Desencostou-se e começou a beijar cada pequeno pedaço de si que encontrava no caminho. Cada pequeno beijo e cada pequeno pousar de lábios que não chegava a ser um beijo aproximava-os mais, mais e mais. Até que ela chegou aos seus lábios, já cheia de si, e quando se inclinou para o beijar, quando o seu peito e o dela eram só um, quando os corpos estavam quentes e as palavras não eram ditas mas sim suspiradas, acordou.

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Quinta-feira, 18.04.13

Escre(ver)

Portuguesa, claramente portuguesa. Estava com o cabelo preso por um gancho escondido e com os óculos de sol que deixavam ver os seus olhos (tinham umas lentes âmbar muito subtil que pareciam pretas). Estava um dia de sol e calor, a roupa colava-se ao corpo e o gelo derretia mal era posto nos copos. As esplanadas estavam cheias e os toldos abertos, a música melodiosa do outro lado do Atlântico tocava baixinho e as turistas espanholas davam uso aos leques ainda com etiqueta.
Vinha do seu passeio, fazia-o algumas vezes por semana, sempre que conseguia fugir. Cheia de calor e de vontade de se sentar à sombra e pousar a mala, chegou à esplanada onde a atendiam sempre com muita atenção e simpatia. A sua mesa predilecta estava ocupada - turistas. Enfim, o seu café e água viriam como vêm sempre, cheio e fresca, para acalmar o corpo antes de começar a escrever. O pedido chegou, a inspiração andava perto.
Devorou cada palavra que tinha sido escrita por dedos cheios dela como que de uma presa indefesa perante uma leoa faminta se tratassem. Cada vírgula, cada ponto, cada palavra saboreada e digerida. Às vezes apercebia-se que o lia com uma voz interior diferente, mais pausada, mais melodiosa, do modo que seria quando lhe contasse os seus desejos ao ouvido.
Quando as primeiras palavras apareciam no papel a mão não parava para as reler antes de continuar. Não parou e não deixou observar mais nada, reler mais ninguém, pensar em mais coisa nenhuma. Tinha a sorte, ou o azar, de ter dedos que pensavam, que tinham ideias próprias e que a levavam a mundos onde nunca tinha pensado estar.
A folha de papel transforma-se em pele macia e a caneta preta em contornos de rostos e corpos que se confundiam com sonhos que nunca tinha sonhado. As palavras riscadas eram agora cicatrizes que não tinha chegado a ver, as que não tinha chegado a beijar e as que não tinha chegado a mostrar. A marca de café na folha lábios que não chegaram a ser tocados pelos seus, as linhas onde escrevia barba que gostava de dizer estar muito comprida como provocação inocente. O metal da caneta os reflexos acastanhados que atravessavam os cabelos negros, o brilho que enchia os olhos pequenos e profundos quando sorria. A luz não era aquela, era uma mais impossível, uma mais amarela e violeta, uma mais filtrada e escondida, que só iluminava onde ela os queria, naquele sítio que foi, que nunca foi, que nunca chegou a ser.
A toalha de mesa derretia surrealistamente e era lençóis, vestidos, casacos e camisas, meias rasgadas e botões desapertados. A chávena branca o peito e a barriga onde nunca se tinha encostado, as pernas onde nunca se enlaçou, os dedos que nunca foram seus. O açúcar que a olhava do fundo da chávena ele e ela e o desejo que não se extinguiu. Doce nos seus lábios, doce nos lábios dele, açúcar para almas doces que derretem e desaparecem nos braços um do outro.
Estava calor, estava na hora. Voltaria em breve, como sempre, como nunca.
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Quarta-feira, 17.04.13

Rocha

Apareceu quando ele dormia, deitado ao sol sonhando com o que podia ter sido. Com o corpo fez sombra sobre o dele, tentando acordá-lo. Não conseguiu, ele estava no meio de um sono muito profundo, o que era raro e sempre muito apreciado, entregue ao subconsciente. Talvez algo o acordasse na próxima hora, ela não tinha coragem de o fazer.
Despiu o vestido, descalçou-se e mergulhou. Nadou, nadou por baixo de água passando os dedos pela areia que ninguém toca e só parou quando chegou ao pé da sua rocha. Aquela mais afastada das outras, aquela a que poucos se atrevem a ir, aquela que está sempre fora de pé. Agarrou-se a ela, impulsionou o corpo para sair da água e deitou-se na rocha aquecida. Com o cabelo a balançar com as pequenas ondas da maré e os pés a ficarem pendurados por cima da rocha em que se equilibravam as pernas, cantou.
Falou com ele, sobre ele, sobre si, sobre o que ele queria saber. Respondeu a tudo e voltou para o areal. Aí escorreu o cabelo e deixou o sol secá-la um bocadinho. Vestiu o vestido, escreveu com conchas, búzios e caminhos na areia o que ele não tinha perguntado mas ela queria responder. Beijou-lhe duas vezes o rosto, acariciou-o e voltou para de onde veio. Ele acordou e ainda a viu, a fugir, a adormecer num outro sonho. Apressou-se a ir ter com ela, correu pela areia molhada tentando encontrá-la e viver o que tinha sonhado. Mas ela era ilusão e não sei se era boa ou não ou mais, sei que já não conseguia viver sem a ilusão dela. Via-a na rua, na música, na coisa mais pequena. Quando ouvia o seu nome acordava para os sonhos que nunca sonhou, entrava naquele seu mundo cor de rosa onde cada momento era completado com a banda sonora que mais se adequava e cada pausa preenchida com a sua voz. E quando acordava, quando via que ela não estava ali com ele, ouvia as músicas que o lembravam dela, pensava nas palavras que lhe tinham sido segredadas, lia o que tinha escrito para ele ler. Sim, agora sabia que ele a lia. Não estava à espera que tal acontecesse, não estava à espera que fosse ele a tentar vir buscar (in)felizes bocadinhos dela. Mas vem, e percebe(-me). Ela ficou feliz,muito feliz. Continua aqui, espero que saiba.
Espero que esteja bem, espero que sonhe muito e que ela lhe tenha deixado pensamentos de quem é, hoje. Ela vai a caminho, está perto, muito perto, sempre que precisar.
publicado por verbistantum às 01:02 | link do post | comentar

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