Domingo, 31.03.13

Old Forester




(duas das fotografias que mais gostei de hoje)

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Sexta-feira, 29.03.13

Lágrimas de Sereia

Quando alguém magoa uma sereia ela vai ter com quem a ama. Com quem a ama em todos os sentidos da palavra.
Quem a magoava era quem dizia que a amava mais que tudo.  Quem a magoava era quem a prendia ao mundo dos humanos, era o humano que a prendia a si, que insistia que as sereias não existiam, que ela não existia. Estava convencido que as sereias não habitavam os mares azuis profundos, que não se deitavam na rocha isolada das outras, naquela fora de pé, tomando banhos de sol e penteando os seus longos cabelos enquanto (en)cantavam. Estava convencido que estas sereias não eram reais e que se estas não existiam mais nenhuma poderia existir.
A revolta que sentia por quem a fazia sentir assim fazia o mar encher-se dela, alimentava a sua fúria, fúria dirigida a quem tinha ousado magoar aquela parte de si. O vento cortaria a respiração de quem se atreveu a fazer uma alma tão especial sentir-se assim, o nevoeiro não o deixaria ver o quanto magoada ela tinha ficado e as ondas que batem na rocha disfarceriam os ecos do seu choro. Sugaria e destruiria os que se atrevessem a tentar entrar em si, predador de humanos que procuravam os seus encantos e protector de quem os compreendia.
E quando a raiva por quem a magoou acalma, quando se apercebe que só ela importa, faz-se gordo para ela, faz-se cama para a aconchegar, faz-se fundo para a poder abraçar. Como a ama, mais do que se ama a si mesmo, diz-lhe coisas lindas, fala-lhe do quão especial ela é e limpa-lhe as lágrimas de dor, trocando-as por sorrisos de ternura.
E aí a sereia sente-se amada, sente-se compreendida e sente-se segura. O mar compreende as sereias, percebe esta em especial porque é parte dele.

Ao meu mar deixo o meu coração, a si, que me lê, deixo um profundo sentimento de agradecimento. Porque sem si as minhas noites seriam como as dos outros, porque temos o nosso mundo, que é nosso e só nosso, mesmo que nunca (mais) falemos um com o outro.
Porque volta para mim todas as noites, um sincero Obrigado.

"There are two ways to reach me: by way of kisses or by way of the imagination. But there is a hierarchy: the kisses alone don't work." - Anaïs Nin, Henry and June

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Quinta-feira, 28.03.13

Luz

Os momentos em que todos dormiam, antes dela dormir, eram os mais produtivos do dia. Personagens surgeriam da escuridão, completamente formadas, dançavam para ela e ela gravava-as no papel, antes da memória as deixar voltar às trevas, antes que se desvanecessem na escuridão.

A luz avermelhada escorria pelo chão de madeira escura, enchia o quarto com uma delicadeza que só a primeira luz da manhã consegue ter, delineando sombras de lençóis, sapatos e roupa da noite anterior. 
A manhã tinha chegado antes dele e quando abriu os olhos já o quarto estava consumido pela luz. Na noite anterior mal tinha tido tempo de se despir, antes de mergulhar no algodão egípcio, muito menos de fechar as cortinas. Ela ainda dormia, a seu lado, com o ritmo da respiração a indicar que não iria acordar nas próximas horas. Não tinha coragem de a acordar, de a tirar daquele estado de calma e paz em que se encontrava, mal tinha coragem de continuar a viagem em que se encontrava a caminho da consciência. Levantou-se: fora do calor, dentro da luz do dia.
A luz tinha-o intrigado e, como sempre, punha a sua curiosidade à frente do seu conforto pessoal. Era por isso que estava ali, em vez de estar em casa. Era por isso que ela estava ali, e não outra pessoa que diziam ser a sua.
Estava agora em pé, à janela, a admirar aqueles cabelos negros e lábios escarlates que eram beijados pelos primeiros raios da manhã. Caminhou até ela, sorrindo. Deitou-se a seu lado, afagou-lhe o cabelo e encaixou-se a ela. Sentiu-o, ajustou-se a ele, entrelaçou os dedos nos dele e levou as mãos ao peito. E assim ficaram, com a perna dele por cima das dela, com a barba dele a roçar-lhe o ombro, com a respiração dele a fazer-se sentir no pescoço dela. Sem palavras, só ternura. 
A promiscuidade da noite anterior dava lugar ao mundo do reconhecimento de defeitos e qualidades, à admiração profunda, ao desejo de proximidade e ao saborear. Porque o mundo real era aquele e não o que a luz fazia acordar.
Não sei se se levantaram, se ele saiu e a deixou dormida sem nunca a ter voltado a ver, se ela saiu enquanto ele tomava banho ou se desapareceram nos braços um do outro. Sei que, naquele momento, eram um. 

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Quarta-feira, 27.03.13

Flor

Eram os olhares fugidios que o estavam a prender a ela. Os dedos dela passeavam por cima dos sítios certos; aqueles que ela queria que ele beijasse, sobre os quais queria que passeasse os dedos, onde queria ser agarrada e atirada contra a parede. Aqueles sítios que ela queria que ele declarasse seus.
Olhava agora para ele assumindo totalmente a sua vontade. As suas mãos curiosas vagueavam pela pele dele, apertando-o ligeiramente antes de soltar um leve riso feliz que saia dos seus lábios e ecoava na sua cabeça. Ele não podia evitar sorrir, ou deixar a sua própria mão deslizar pelas coxas dela e encontrar a pele macia e delicada que o sol nunca via. Apertou-a e ela fingiu-se chocada, mordendo os lábios e sorrindo de uma forma malandra que o incentivava.

O que ele queria dizer, e estava certo que ela o encararia como um elogio, era que gostava de poder preservar a beleza do momento. Não, isso era pensar demais no assunto. Só queria dizer que ela era naturalmente bonita. Só isso.
Mas não era só isso, pois não? Porque não estavam as flores nos campos, onde deviam estar? Estariam fora do seu habitat, colhidas por algum romântico, cortadas e trazidas para longe, impostas nos braços de uma qualquer paixão? Murchariam na mesa-de-cabeceira, até serem atiradas pela janela fora sem remorsos de um amor jovem e inocente?
Ou talvez ele estivesse a invocar a sua beleza intemporal, que ela devia ser preservada, guardada como estava naquele exacto momento, exactamente assim. Mas não podia, pois não? Ela murcharia, como todas as flores murcham, e ela nunca voltaria a ser esta mulher, neste preciso momento, outra vez. O sorriso dele viria com um pouco menos facilidade e o elogio viria em palavras e não iria mais além, um mergulhador demasiado cobarde para se atirar para as profundezas do mar. Ele diria algo e ela continuaria sem ouvir as palavras maravilhosas que em tempos sairiam não da sua boca mas da sua mente.
Sorria, murmurava um ‘obrigado’ meio suspirado e beijava-o no rosto. Ele tinha-lhe dito em tempos que olhos dela eram lindos, profundos como o mar à noite, e ela tinha ficado a pensar que isso era lamentavelmente triste, também. Mas este era um triste que é bonito. Que era o seu favorito tipo de tristeza.

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Terça-feira, 26.03.13

Respostas

O vento que a acalmava, o sol que prometia não voltar a ser visto até já ser amanhã, os lábios que secavam se não fossem humedecidos constantemente.

Não, nunca lá tinha estado. Calculou que o melhor caminho para lá chegar fosse aquele, que as escadas de acesso podiam estar a precisar de manutenção e que o elevador seria uma opção mais segura, que o quarto com mais privacidade talvez não tivesse a melhor vista para o oceano.
Ele cada vez a admirava mais. A sua confiança, o modo como encarava tudo com sentido de humor e a facilidade com que resolvia imprevistos não eram novidade, mas eram agora mais evidentes. Sabia o que estava a fazer. E as pessoas queriam ajudá-la, não era forçado, ela não se impunha, apenas dizia o que pretendia preto no branco. A sinceridade fria era atraente.
Nunca tinha estado tão próximo de uma mulher tão intrigante. Que o fazia sentir bem como era: que não o fazia querer ser mais novo, ter outro aspecto, estar mais em forma ou vestir-se de outra maneira. Que não o fazia querer ser outra pessoa que não quem verdadeiramente era. Estava completamente à vontade na presença daquela alma que o enchia de sentimentos que oscilavam entre os prazeres carnais e os da mente. Queria conhece-la, entrar dentro dela e dançar até não poder mais. Queria saber quem ela era, quem ela queria ser e quem tinha sido. Queria saber mais, encher-se dela, e levá-la sempre consigo para nunca a perder. Queria tudo isto e muito mais, mas sabia que ela só lhe dava o que queria dar. E chegava, ele respeitava-a por isso, era mais que suficiente, era isso que a fazia tão especial. Era um dos seus muitos encantos. O mistério que a cobria e envolvia tudo o que fazia ou dizia tornava-a mais apetecível, a curiosidade insaciável dele tornava-se difícil de controlar, de conter. Resistia a perguntar, sabia que não ia obter a resposta que queria. Saciava antes essa curiosidade na exploração dos seus montes e vales, das curvas impossíveis que a cobriam e que aumentavam a vontade. E ela respondia a perguntas que ele nunca tinha pensado em fazer. Respondia-lhe com o charme e delicadeza apetecível que só ela conseguia ter.
Deitada em cima dele, com o peito na sua barriga e as mãos pousadas a apoiarem-lhe o rosto, olhou para cima, para ele, beijou-lhe o peito e sorriu. Ele estendeu a mão esquerda e pousou-a nas costas dela. Com a mão direita afastou as madeixas de cabelo negro, que caíam sobre aquele rosto que o olhava deliciado, para trás da orelha; passou os dedos pelos lábios húmidos e sentiu-a a sugar-lhe a ponta dos dedos, como que não os quisesse só beijar, como que os quisesse só para ela, como que os quisesse dentro de si. Continuava a olhar para ele, com as maçãs do rosto salientes e cheias de cor, a sorrir com os olhos, a dizer-lhe tudo o que ele queria saber.

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Segunda-feira, 25.03.13

Entrega

Os beijos de agradecimento imensurável, admiração profunda e ternura pura eram tão importantes como os apaixonados, a rebentar de desejo e de procura de satisfação.
Aqueles depois da vontade estar satisfeita, do corpo ter dado tudo o que a mente não podia, do desejo se ter materializado em toques, carícias, mãos que agarram e não querem largar nunca mais. Depois do rasgar apaixonado de meias e esborratar do batom, do puxar de cabelos e do mordiscar do peito. Depois das unhas que agarram as costas dele terem deixado a sua impressão temporária, das pernas voltarem a ter circulação, das mãos se tornarem meios de prazer tais que a respiração deixa de ser ofegante – pára por uns instantes. Depois do êxtase final que os leva àquele lugar estranho onde são infinitos e o mundo deixa de ter forma, depois de sensações inexplicáveis, indefiníveis. Lugares estranhos onde só há espaço para uma alma, composta por duas que se tocam e se unificam. Depois dos suores calorentos e depois do nada e do tudo, há aquele momento que nos traz de volta ao que não é real – ao mundo. Porque a verdade não é isto, isto é a sala fechada que de vez em quando nos abre uma janela para o que é real. Uma gigante sala de espera que através de sensações nos deixa entrar em várias salinhas de prazer, que são o que nos faz viver e não existir. Um raio de sol no rosto, um mergulho no mar gelado, a intimidade e cumplicidade de um olhar, antes dela inclinar a cabeça para trás, repleto de vontade. O depois de tudo isto também é importante. Não digo o abraçar, o peito que se torna almofada, o cigarro partilhado nem a ‘cortesia’ de não ir logo embora. Falo do(s) pequeno(s) gesto(s) que demonstram o cuidado e carinho que ele tem por ela. Um afagar de cabelo, uma carícia no rosto, um beijo na testa, um olhar de pura entrega e proximidade. Coisas simples. Coisas simples que dizem muito. Não precisava de mais, não sempre.
Às vezes a entrega e a energia gasta tinha sido tanta que ela precisava de poder colapsar totalmente no lençóis, sem se preocupar com ele. Às vezes estava tão esgotada que não tinha reacção. Ficava deitada, virada de lado para fora da cama, de olhos fechados ou semiabertos olhando o vazio. Não que estivesse a pensar no que aquilo significaria, muito menos nele e no futuro, mas precisava daqueles momentos. Não para pensar mas para saborear a falta de muros e de segredos que possuía naquele momento. Para se sentir a si, despida física e psicologicamente, sentir o seu cerne, quem era sem jogos nem pretensões. Para se sentir nua.
Era ali que o outro tipo de beijo era mais importante. Ou outro tipo de carícia, de palavras, gesto. Quando estava assim, tão exausta, tão vazia de sentimentos, quando tinha dado tudo e não restava nada para dar, é que ela precisava dele – mesmo que nunca lhe pedisse o que quer que seja.
Ele sabia quando ela precisava de carinho e ternura. Ele sabia quando ela lhe tinha dado absolutamente tudo, quando era inteiramente dele e só dele.
Deixou a água a correr na banheira enquanto voltava ao quarto para a ir buscar. O seu mais-que-tudo, a sua deusa, parte de si. O seu desejo e o seu eterno sonho estava ali e precisava de ser relembrado do quão especial era. Ele sabia o quanto significava para ela, queria relembrar-lhe o quanto ela significava para ele. Pegou nela ao colo, sentiu-a a enrolar os braços aos seus ombros, a pousar o corpo no dele, e olhou bem dentro dela, daqueles olhos negros de que tanto gostava. Naquele momento ela não tinha energia para lhe responder ao que quer que fosse que ele perguntasse, não mais que murmurar palavras suspiradas. Pousou-a na banheira, fechou a torneira e pegou na esponja que nunca tinha sido usada. Ela olhava para ele, dando-lhe toda a confiança do mundo como sempre tinha feito.

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Sábado, 23.03.13

Obrigada pela Paciência

Cansada. Muito cansada. A precisar de um abraço que me corte a respiração de tão apertado que é. Venha, eu espero por si.

Hoje não há história. Melhor, há. Não é é uma história que lhe queira contar. Não hoje. É daquelas que escrevi e não quero partilhar. Ainda não. Não por ser triste ou feliz, mas por ser das que enternecem e dão vontade de ser 'ele' ou 'ela'.  Porque hoje não quero ser este 'ela' e este 'ela' é sempre moldado à minha imagem, não lhe dou a conhecer as páginas que tenho aqui  em frente, escrevinhadas com muito amor por um 'ele' que está em constante evolução. Hoje não quero mostrar uma parte de mim com que no presente momento não me identifico. Parece falso publicar agora histórias de afecto e carinho, de admiração e de profunda entrega, de toques e de beijos e de almas que se tornam infinitas.  Não seria justo para mim.
Esta cabeça que escreve, porque (com muita pena assumida) não sabe criar música, estima-o muito. O que lê as parvoíces que esta alma escreve (algumas das) é especial por não as achar parvoíce. Só por isso já lhe devo mil obrigados. Como são muitos para dar de uma vez, aqui vai o primeiro: obrigada.

publicado por verbistantum às 00:30 | link do post | comentar
Quinta-feira, 21.03.13

Vi(ve)nil

Venha, vou contar-lhe uma história.

Partilhavam um amor incondicional por música. Cada nota, cada subtil mudança de tom despertava um movimento de algo que lhes era intrínseco. Como se tivessem um órgão especial que sempre que encontrava o silêncio começava a definhar. Era uma procura de sonoridades constante, incessante e necessária para a sua sobrevivência. Partilhavam o gosto pelas sonoridades únicas, únicas em qualquer aspecto. Porque para eles a música era vida. Sem ela, não eram “nós” nem eram “eu”.
Sinceramente não sei qual era a palavra que melhor a descrevia no momento. Talvez ainda não tivesse sido inventada. Todos os dias ia buscar o disco que estava na terceira prateleira a contar de cima, retirava-o da capa e do esquiço que o vestia, e punha-o a tocar. Sentia a agulha a pousar no vinil como sentia a ponta dos dedos dele a afagar-lhe o cabelo.
Partia os ovos e mexia-os com a habitual pitada de sal grosso. Punha duas fatias de pão na torradeira e na mesa dispunha a manteiga e o queijo milimetricamente igual ao dia anterior. Dois pratos, dois guardanapos, duas chávenas, dois garfos, duas facas. A torradeira dava sinal, o fogão também. Sumo de laranja acabado de espremer e uma chaleira ao lume à espera que ela lhes desse atenção. Ouviu o chiar do soalho de madeira e aumentou o volume da música, da música que todos os dias tocava incontornavelmente àquela hora.
Comeu as suas torradas, bebeu o seu chá e depenicou os ovos mexidos ainda a fumegar. Levantou a mesa, lavou a louça, voltou-se a sentar e esperou que o disco acabasse. Levantou a agulha, colocou o vinil na capa e guardou-o na terceira prateleira a contar de cima.
Voltou para a cama, beijou a fotografia do homem que pertencia agora ao mar e sonhou com o próximo pequeno-almoço que partilhariam.

publicado por verbistantum às 21:43 | link do post | comentar

Ode aos Gordos

Gosto do Imperfeito. Assim também não preciso de ser completa.
Cicatrizes, estrias, gordurinhas em excesso e barbas por fazer. Tudo coisas boas ao qual não é dado o devido valor. Essa frase d'Os gordos são sempre felizes' é a maior imbecilidade que já ouvi na vida. Bom, isso e o 'Foi violada porque andava vestida daquela maneira' mas para efeitos da história vou me concentrar na primeira frase que me dá vontade de soltar os cães da Polícia de Segurança Pública em cima da besta que a papagueou.
Vou começar por dizer que sou esquisita. Muito. Gosto do que todos dizem ser feio. Não sou, portanto, de todo imparcial neste assunto. Acho que cada um escolhe os prazeres que quer desfrutar. Alguns não têm consequências físicas, mas são os menos divertidos. Não sou do género de queimar sutiãs (aliás gosto muito de lingerie, não sei se era capaz) nem de bater com o punho fechado na mesa sempre que ouço coisas deste tipo, mas valha-me deus (sim, deus com minúscula) é estupidez pura. [Agora faço aqui um aparte: sou ateia, daquelas que gosta de se vestir de freira malandra, mas acho um mimo usar expressões religiosas para demostrar indignação. É só.]

Então não é que o gordo é uma espécie à parte ? E das priviligiadas ! Que tem direito à felicidade total independentemente do sexo, idade, vida em geral. Sortudos pá ... ter a feliz capacidade de mandar uma piada ou duas e correr sempre bem é invejável. Sendo assim vou pôr a cruzinha no quadradinho do formulário da vida que pergunta se quero ser gordo ou humano. Parece muito melhor.
A parte chata é quando há mais excepções que regra - o que dá cabo do sistema todo. No princípio as pessoas nem queriam acreditar quando viram um, pensavam que era um teatro ou algo do género, mas depois aperceberam-se (algumas aperceberam-se) que existiam gordos menos felizes. Esses foram imediatamente despromovidos e recambiados para a categoria de "Pessoas mais cheiinhas" - o que ainda dói mais.
Vou parar agora, acho melhor. Se o meu estimado leitor é dos que dizem coisas deste tipo precisamos de ter uma conversinha. Se é gordo e está bem consigo mesmo, como eu estou com as minhas pernas redondinhas que têm carne para agarrar, excelente. Agora, não me venha com tretas que ninguém gosta de gordos que não me apetece nada levantar e ir aí dar-lhe um valente carolo. Se é gordo (obeso é uma palavra feia que me faz comichão na língua) e não está bem consigo mesmo sugiro redireccionar os seus desejos para outra fonte de prazer. Mas faça-o por si e só se o quiser fazer. Nada de pressões externas que assim nunca dá em nada.
E com um texto cheio de ameaças e, no fundo, mal-dizer, o deixo a pensar nas suas escolhas de vida. Eu vou comer qualquer coisa que escrever tanto e tão rápido deu-me fome. Fome e vontade - mas isso é outra história. 

publicado por verbistantum às 17:57 | link do post | comentar

Quem

Sabia perfeitamente distinguir um sonhador de um humano. Bastava ver se quando olhava nos olhos de um via o seu reflexo ou não.

Gostava de homens. Sempre o tinha dito: ‘Gosto de homens, não de rapazes.’ Na verdade era tudo a mesma coisa, tinha aprendido. Na verdade ‘The difference between men and boys is the price of their toys’, tinham-lhe dito. Não se sentia bem quando lhe perguntavam ‘Então e rapazes?’; não por causa da pergunta em si, mas pela palavra que insistiam em usar - ‘rapazes’. Fazia-lhe confusão, vá se lá perceber porquê.
Não sabia bem por que raio tinha que ter gostos tão definidos. Gostos tão específicos. Podiam ser mais flexíveis, por vezes. Recusava ir a festas com amigos de amigas que já sabia ser código para arranjinho. Depois de muitos meses com a sua grande primeira conquista tinha-se perdido. Temos em nós, já dizia Darwin, a necessidade de nos adaptarmos ao ambiente em que estamos inseridos. Confirmou que o tipo estava carregadinho de razão. Por serem de mundos tão diferentes alguma coisa cedeu. Essa coisa foi ela. Jurou que nunca mais. Agora sabia o que queria e, mais importante ainda, o que não queria – estava pronta para enfrentar o mundo.
Pintava sempre os olhos antes de se mostrar a quem quer que fosse. Nem a reconheceriam se não o fizesse. Dormia nua sem a tinta preta que a acompanhava lealmente há tantos anos.
Nunca ninguém a conheceu como parte de um “nós”. Ela não era parte de nenhum “nós”. Acho que nunca ninguém a conheceu, ponto.
Os que a conhecem nunca a viram, ouviram, leram. Os que a conhecem talvez se lembrem dela de vez em quando, talvez a procurem inconscientemente nos rostos que passam na rua, talvez sorriam nostalgicamente cada vez que ouvem o nome dela. Os que a conhecem talvez dêem um mergulho por ela quando estão sozinhos com a sua paixão, o mar. Os que a conhecem sabem que ela diz coisas lindas, que encantam e deliciam, porque tem prazer em animar quem não merece estar triste. Quem a conhece sabe que que lhe tocou, e foi tocado, na alma. Pena que quem a conhece nunca tenha ouvido falar nela. Talvez em sonhos, talvez em sonhos.

Quem a conhece guarda-a só para si. Por isso é que ela se deixa conhecer. É tão bom ser um sonho que nunca foi sonhado.

publicado por verbistantum às 02:06 | link do post | comentar

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